terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Agosto, 1954


Vivíamos na Escola Naval literalmente ilhados em matéria de informações. Ainda não havia  televisão, rádio era proibido nos camarotes e nos poucos momentos de lazer após o jantar a disputa maior era pelas mesas de sinuca e bilhar, raramente pelos poucos jornais ou revistas.  Havia uma total alienação pela vida política do país que existia do outro lado da ponte que nos ligava ao continente, tendo sido grande a surpresa quando na alvorada do dia 24 de agosto de 1964, no inícios dos preparativos para  a rotineira formatura e desfile da cerimônia diária de hasteamento da Bandeira Nacional circulou a notícia do suicídio do presidente da república, Getúlio Vargas.



O traslado do corpo para São Borja seria feito com embarque no aeroporto Santos Dumont - no nosso quintal. As ruas estavam fervilhando, com as pessoas emocionadas e revoltadas com  o trágico desfecho, fazendo com que as autoridades temessem pela segurança do aeroporto e dos próprios manifestantes caso as pistas fossem invadidas pela desprotegida estrada de acesso à Escola Naval, justamente junto à cabeceira mais utilizada para a decolagem dos aviões. No dia do embarque fomos posicionados justamente para guarnecer esse local e impedir uma eventual invasão popular pelo setor, uma tarefa árdua e preocupante dada a nossa inexperiência e o fato de a multidão estar histérica e descontrolada. Felizmente não houve confronto e tudo terminou bem, apesar da alta carga emocional envolvida. Com o tempo, e resolvidas as muitas atribulações políticas posteriores, o cenário institucional se  normalizou e a vida escolar retomou sua rotina mas o episódio em si, que se revelou um dos fatos mais marcantes da nossa História, teria sempre um lugar de destaque nas minhas recordações daquela temporada na Marinha.

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Quis o destino que vivesse de perto os dois dos momentos mais marcantes da vida do presidente morto: sua deposição por iniciativa militar em 1945,  quando estudava no Colégio Militar, na esteira da onda de democratização global do pós guerra, e seu suicídio em 1954, induzido pelas pressões políticas incontroláveis.  Dessas lembranças resta a certeza, sempre desdenhada pelos políticos e sempre confirmada pela História, de que as longas presidências autoritárias cansam, mesmo quando contam com forte apoio popular, e que todo retorno desses mesmos personagens, ainda que pelas via democráticas, é um retrocesso. 


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