Pela manhã eu
havia internado minha Mãe no hospital para ser submetida a uma cirurgia de
certa urgência. Ela estava alegre e confiante como sempre, parecendo
desconhecer ou desdenhar da gravidade do seu caso, mas naquela mesma noite
fomos avisados que o seu estado de saúde se agravara. A cirurgia
fora abortada devido a duas paradas cardíacas ocorridas durante a
anestesia, ela estava então em coma induzido, os médicos sintomaticamente liberaram
as visitas mesmo à noite, e um clima de despedida estava implícito no ar.
Embora já tenha enfrentado
algumas vezes essa situação extrema, sempre me senti inibido pelas
circunstâncias e nunca soube exatamente como proceder. Conheço relatos sobre
os doentes escutarem e entenderem o que se fala, mas as palavras não me saem.
Entrei na ampla UTI e encontrei minha mãe em companhia de outros pacientes
graves, uns dormindo ou sedados como ela, outros alertas mas inertes. Ela
estava serena e bonita como sempre, parecendo dormir tranquilamente. Mudo e
emocionado segurei e apertei sua mão por alguns minutos, sem sentir
qualquer reação, beijei-a e fui chorar lá fora.
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Quando éramos crianças, nossa Mãe eventualmente dedilhava um violão
e com sua voz pequena porém afinadinha, cantava para nós modinhas
antigas, cantigas de roda e canções folclóricas. Crescemos, casamos, nos dispersamos e
nunca mais a ouvi cantar. Alguns anos depois estávamos todos reunidos de novo,
morando à sua volta em Copacabana. Meu Pai morreu, e quando ela se
recuperou do baque passou a cultivar um novo hábito, coerente com sua atenção a
tudo que se passava no mundo: lia o jornal atentamente e marcava artigos,
notícias ou trechos de textos que tinham despertado a sua atenção, para reler
em voz alta e comentar comigo nas visitas quase diárias que lhe
fazia. Depois de algum tempo entendi que era uma forma de prolongar nosso
convívio, pois sempre que passava lá era rapidamente, apenas para vê-la.
Ao final desses encontros ela
ficava na janela esperando até me ver sair do prédio, sorrindo e
acenando, visivelmente feliz. Eu caminhava até final da rua e antes
de dobrar a esquina olhava de novo e lá continuava ela, sorrindo e
acenando.
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Este texto despertou em alguns leitores lembranças de suas próprias infâncias e respectivos relacionamentos maternos, com um inesperado componente comum a todos - a música, o fio condutor de todas essas recordações. Os emocionados e emocionantes comentários publicados merecem ser lidos, por tudo quanto significam em termos de agradecimento e reconhecimento a essas figuras ímpares, nossas Mães!
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