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A Fazenda São João, fundada no início do século XIX, com foco na produção de café em grande escala, tinha originalmente 1.210 cafeeiros espalhados em 236 alqueires geométricos, e seu sucesso comercial valeu ao proprietário ser agraciado com a comenda imperial da Ordem da Rosa, em 1858. As seguidas vendas e redivisões por herança, agravadas pelo fim do ciclo econômico do café, provocaram seu encolhimento e decadência. No final da década de 1940, quando a frequentei, estava reduzida a uma fração da área original, embora bem cuidada, e se sustentava com uma produção residual de café, leite e derivados, além de processar cana em cachaça, açúcar mascavo e rapadura.
Era complicado chegar lá. Embora geograficamente localizada em Paraíba do Sul, o acesso era feito por trem até Vieira Cortez, e de lá à propriedade em lombo de cavalo, num percurso de quase três horas. Um telegrama enviado com bastante antecedência para a posta restante combinava tudo e o caminhão que fazia a coleta diária do leite das fazendas se encarregava da entrega - ele era, aliás, o único meio de comunicação regular entre o vilarejo e as propriedades, e eventualmente transportava passageiros, correspondência e pequenos volumes. Os cavalos que conduziriam os visitantes ao seu destino eram levados cedo à estação ferroviária por um peão, e na volta se arrastavam a passo lento pela estrada poeirenta, ficando mais espertos quanto mais se aproximavam de casa mas após passar pela última porteira até precisavam ser contidos, tal a ânsia em alcançar as cocheiras. Assim como eles, nós visitantes também espantávamos o cansaço e ganhávamos novo alento ao ver surgir no horizonte a sede da fazenda, com sua longa e austera varanda linear pontilhada por janelas em guilhotina e enfeitada internamente com pinturas murais, ironicamente escoltada em contraponto pela exuberante capela dedicada a São João Nepomuceno, o mártir da discrição. Ainda bem cuidada, embora com pitadas de modernização, como as janelas basculantes de ferro que substituíram as originais de madeira na varanda, a construção contrasta com o cenário desolado do entorno.
A lavoura de café foi a responsável pelo desmatamento na fazenda, seu apogeu econômico e o panorama atual de incipiente desertificação. A plantação original foi feita em terras de mata derrubada, como era costume na época, e o solo se degradou quando os cafeeiros abandonados morreram sem que fosse feito o indispensável remanejo de culturas, . No grande pátio em frente à varanda era feita a secagem ao sol dos grãos do café, que já haviam passado pelos tanques de lavagem diretamente após a colheita. Chegavam em pequenas carroças basculantes, a carga derramada era pachorrentamente espalhada e revirada pelos colonos com o uso de grandes rodos de madeira, o lindo tapete mesclado pela variedade de cores dos grãos exalando ao calor do sol um inconfundível e inesquecível aroma, misto de terra molhada e café. Como esse processo passou a ser feito mecanicamente e em caldeiras, toda a beleza plástica do processo evaporou junto com a umidade e os abandonados tanques de lavagem, que também foram nossas piscinas improvisadas, se deixaram invadir pela mata.
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Não havia energia elétrica, mas a fazenda dispunha de uma usina simples, composta por uma roda d'água e um gerador de baixa capacidade. Um mesmo riacho supria as necessidades da casa, movia a roda e enchia os tanques de lavagem do café, que serviam de piscina na entressafra. A claudicante energia gerada só era suficiente para alimentar algumas poucas lâmpadas fracas e um rádio de válvulas, estilo capelinha, que junto com os receptores de galena montados por alguns moradores habilidosos era o centro das atenções às sextas feiras, quando ia ao ar um programa com o festejado ator, compositor e cantor Vicente Celestino. Acompanhado reverentemente por todos, dono de um vozeirão inconfundível e de um repertório um tanto brega e sinistro, alguns de seus sucessos - O Ébrio, Coração Materno, Porta Aberta etc. - ficaram marcados e até hoje ecoam na minha memória.
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O menino no engenho
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