domingo, 2 de setembro de 2018

Alerta vermelho

Carnaval de 2018, madrugada de domingo, dores, corrida para o hospital. Emergência, exames e laudos - "Tem uma massa ali". "Uma o quê?" - "Uma massa (eufemismo médico para aquilo que sabemos bem do que se trata...), parece localizada, mas não é pequena, precisa operar logo, antes que espalhe" - "Logo, quando?" - "Ontem!"
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Rapidamente assim foi feito e nem foi tão ruim, afinal em poucos dias estava em casa, alguns quilos mais leve e com o aparelho digestivo vários centímetros mais curto, mas sem acessórios externos -  ainda bem!. Mais tempo, novos exames e boas notícias: aparentemente o problema estava circunscrito àquele local e teria sido completamente resolvido. Com as providências, a massa parecia ter falido...

Depois da correria, a ficha finalmente caiu, mas relativizada. Sim, era um problema sério, mas com ele ou sem ele - ou apesar dele - o tempo continuaria inexoravelmente a correr e o embarque com Caronte era uma certeza anunciada. - "Então, o que fazer?" - "Quer saber? - nada!" - Nada que implique em desnecessidades inúteis, nada que signifique apenas sobreviver em lugar de preferencialmente, viver. Assim será.

"Agora é o outono, o cair dos frutos
e a  longa viagem para o esquecimento.
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Constroi a tua barca da morte, a tua!
vais precisar dela.
Espera-te a viagem do esquecimento."
(D.H. Lawrence, A Barca da Morte)   


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domingo, 7 de janeiro de 2018

Atravessando a rua

Uma atriz negra e linda, casada com um ator negro e feio, suscitou recentemente o surgimento de mais uma discussão sobre preconceito racial ao afirmar em palestra que temia ver pessoas atravessando a rua para não cruzar na mesma calçada com seu filho, certamente negro e amorável, devido à cor de sua pele. Chocante, mas compreensível, e a questão reavivou momento impactante de minha vida, envolvendo crianças negras.
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Caminhava distraidamente com minha mulher pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana, quando a poucos metros da portaria do prédio fomos subitamente cercados e atropelados por um grupo agressivo de uns cinco menores aparentando menos de doze anos, todos afro-descendentes, atraídos por um cordão dourado usado por ela. Em questão de segundos arrancaram o cordão escoriando seu pescoço e me derrubaram, causando um corte no joelho que precisou ser suturado. Mesmo sangrando, corri atrás deles que acabaram detidos mais adiante por uma turma conhecida nossa que voltava da praia, e entregues à polícia. Recuperamos o cordão, mas devido ao corte, fui levado ao hospital e de lá para a delegacia, onde logo ao entrar vi os meninos sentados enfileirados no chão, num canto da dependência, conversando desconstraidos e nos encarando desafiadoramente. Incomodado com tamanha exposição, não quis dar queixa e logo fomos embora, mas na saída um policial discretamente alertou: - "é bom tomar cuidado nos próximos dias, eles logo estarão soltos e agora sabem onde o senhor mora"...
Desde então, mudo de calçada ou entro numa loja quando percebo um grupo desses caminhando na minha direção; não, não é preconceito, querida, apenas precaução...

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Chegando lá...

"Quando eu for bem velhinho, Bem velhinho, e precisar de um bastão, Eu hei de ter um netinho, Pra me levar pela mão" Essa estrofe simples, de uma despretensiosa marchinha de Lupicínio Rodrigues, colou no meu subconsciente desde a primeira vez que a ouvi, há décadas. Fiquei sensibilizado pela imagem idealizada de netos amparando os avós no seu declínio físico, servindo como sua bengala-bastão em situações de insegurança e risco de queda, mas o tempo foi passando e os versos esquecidos. Até que... -------------------
A casa da filha, em Teresópolis, fica num platô recortado em terreno em aclive moderado. É acessada por rampa larga e suave, ladeada por hortênsias florescentes na primavera, que afunila em uma curta e íngreme escada de pedra no seu trecho final, os degraus subindo junto ao muro baixo do lado esquerdo. Não tem corrimão nem qualquer outro ponto de apoio, e isso nunca foi problema, mas agora o tempo parece estar aumentando a sua inclinação e esticando os degraus para cima, em contraponto maroto a articulações reumáticas e musculatura cansada. A cada dia vai ficando mais difícil subir e, principalmente, mais inseguro descer, até que na primeira visita após agravamento de problemas nos joelhos parei hesitante no seu topo, avaliando os riscos reais de queda e a conveniência de obter ajuda. E então... "Quando eu for bem velhinho, Bem velhinho, e precisar ... "
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