segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

A morte que cai bem

Fui submetido a um exame para avaliar cirurgia que tratou uma lesão intestinal. Durante os intermináveis minutos que antecederam o procedimento, deitado numa desconfortável maca e recebendo soro na veia num ambiente glacial, meditei sobre o inevitável momento da morte, se sua chegada seria com ou sem aviso prévio, se minha idade incentivaria os chamados de Jesus, e brinquei comigo mesmo se funcionaria, nesse caso, responder "aqui não tem ninguém com esse nome"...
Transferido para o centro cirúrgico, o anestesista informou seus próximos passos com a sutileza e empolgação de uma aeromoça divulgando os recursos de salvatagem do avião em pane, e disse que iria me apagar. Apagou.
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Acordei em outra maca, num local mais quentinho e logo me sentaram numa poltrona onde aguardaria o resultado do exame. Desta vez sem soro, mas com fraldas - geriátricas, acho. Enquanto esperava, ainda meio atordoado pela anestesia, retornei aos pensamentos anteriores e percebi haver passado por uma experiência interessante, um episódio de quase morte. Entre o momento em que o apagão se concretizou e o despertar, não senti transição entre lucidez e inconsciência, não ocorreu gradação de luz ou pensamento, e nenhuma narrativa ou lembrança aflorou, como aconteceria, segundo se especula. Estava atento e simplesmente submergi. No nada.
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Tenho procurado respostas para o ritual da derradeira passagem, mas só encontro perguntas; tenho buscado certezas e só encontro dúvidas. Mas me conforta a expectativa, bastante crível e confortável, que as coisas se passem desse jeito. Fui submetido a um exame para avaliar cirurgia, que confirmou estar tudo bem, e acabei abrindo os olhos para outra realidade, que a qualquer momento me ajudará a melhor fechá-los. Em paz.

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