sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

PINGUIM DE GELADEIRA

  

Fez sucesso um desenho animado antigo que zoava as desventurosas buscas por aquecimento de um pinguim friorento, totalmente desalinhado com as paisagens de neve e geleiras onde, tremelicante, vivia com a sua tribo. Por misteriosas razões ou inexplicável empatia com aquele animal solitário e desajustado, volta e meia aquele filmete roda na minha mente e seu final feliz é um alento e tanto para os confinados de hoje.

Certa feita, em uma indefinida solenidade, sentou-se ao meu lado um idoso e irrequieto professor aposentado que sem rodeios nem  motivos me disse que "após os oitenta, cada ano passa como cinco". E ante minha perplexidade, sorriu e foi embora. Detalhe: eu tinha uns trinta anos naquele momento!

O mundo girou e a Covid causou, meus oitenta já ficaram bem lá atrás e me dou conta que este ano que acabou de fato passou como cinco. O que perdemos em traumas e dramas pessoais não foi normal, como normal não foi o Natal desidratado, de desanimadas festas do eu sozinho. As palavras do professor seriam um alerta ou uma premonição?

Confraternizando presencialmente com ninguém, lembro do solitário pinguim carente de calor, perdido no oceano a bordo de um bloco de gelo que derrete. E me sinto exatamente como um solitário e perplexo pinguim de geladeira, um observador aflito de um panorama duvidoso, postado sobre uma geleira simbólica, carente de calor humano e à espera de um final feliz!