segunda-feira, 18 de outubro de 2021

GAROTA DA SERRA

"Olha que coisa mais linda mais cheia de graça
É ela menina que vem que passa
Num doce balanço caminho do mar"

Os versos da canção famosa afloraram naturalmente quando, entre um gole e outro do chopinho gelado, notei a menina que naquela tarde  de verão caminhava distraidamente no calçadão da Atlântica, pela hora certamente não a caminho do mar. Pequena e bonita, cabelos cacheados, hesitou antes de atravessar a rua na esquina, olhou para o lado à procura de carros, e por um átimo nossos olhares se encontraram. Clique! 

Mais de quatro décadas se passaram, o mundo mudou, vivemos uma história bacana de companheirismo, aventuras e amor, ganhamos filhos, netos e bisnetos e a menina, que trocou o mar pela montanha, continua a brindar o mundo com sua graça, agora madura.

Menina valente, guerreira potente, está de volta após um sofrido período em que sua resiliência foi testada e aprovada; recebida com muito amor e carinho, juntos percorreremos o caminho para os melhores anos do resto de nossas vidas.

"Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo sorrindo se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor." 


 


terça-feira, 15 de junho de 2021

MONTAGU'S

 John Montagu (1718-1792)4° Conde de Sandwich e Primeiro Lorde do Almirantado da Marinha Britânica é usualmente apontado como inventor do sanduiche - uma fatia de salame entre dois pedaços de pão - a que recorria como alimento durante intermináveis partidas de carteado. Antes dele, outro Montagu se notabilizou por motivo bem diferente: Lady Mary Pierrepont (1689-1762) uma aristocrata garota inglesa, casou-se com Sir Edward Wortley Montagu, que veio a ser nomeado embaixador junto ao Império Otomano.  Apesar do sobrenome comum, não foram parentes, mas é fato que Lady Montagu é referida como precursora da vacinação por defender, em plena epidemia mundial de varíola o procedimento, comum em Constantinopla, de inocular na pele sadia o vírus das pústulas como preventivo à doença. A prática era a bisavó da vacinação nos moldes atuais, mas eles não sabiam, e talvez por isso, funcionava. 

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Montagu's é também o nome de um boteco típico de Copacabana, que frequentava eventualmente. Formalmente é uma sanduicheria, em homenagem ao patrono, mas na prática é uma cervejaria, oferecendo à clientela sedenta uma qualificada variedade de rótulos nacionais e importados, que harmonizam com uma requintada carta de petiscos e refeições rápidas. Está localizado em uma movimentada esquina de duas ruas tradicionais do bairro, sua área interna é mínima, mas aconchegante, e como também é usual no ramo, divide um puxadinho na calçada com um enorme banca de jornal e outras coisas, que até vende jornais. Na falta das bandeiras e marcos possessórios dos tempos do Almirantado, a ocupação da área pública é confirmada com mesinhas e barris de chope que servem de mesinhas. Completa o cenário caótico uma barulhenta feira livre na praça em frente, liderada por uma grande barraca de venda de caldo de cana e pasteis gordurosos, imodestamente autodenominada "O Gostosão".
Em tempos de pandemia e isolamento social, lockdowns e outras inconveniências, é preciso aliviar restrições muito rígidas e convenções sociais reducionistas, sob pena de colapso mental. Vez por outra fuja delas, vá a um barzinho da moda, coma e beba dentro dos protocolos sanitários e se divirta. O experimento do conde Montagu extravasou de sua cozinha e viralizou, gerando apetitosas cepas e variantes recebidas mundialmente com aplausos pelos clientes das casas especializadas. A iniciativa de Lady Montagu foi aperfeiçoada e finalmente permitiu que se desfrute com segurança da criação do seu homônimo. E o barzinho da hora honra o nome e os legados, aglomerando com segurança os famintos com os sedentos.


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segunda-feira, 7 de junho de 2021

SINFONIA DO ADEUS

 O cenário é caótico e característico de algumas ruas internas de Copacabana, onde um clássico boteco dito pé-sujo, de esquina e com diminuta área interna, disputa a já estreita calçada com uma grande banca de jornais, dessas que vendem de tudo, até mesmo jornais. No puxadinho externo espremem-se mesinhas e barris de chope servindo de mesinhas, outra tradição do ramo, enquanto na esquina em frente uma formigante e ruidosa feira livre é liderada por concorrida barraca de venda de caldo de cana e pasteis gordurosos, imodestamente denominada "O Gostosão".

A clientela dominical também é tradicional e fiel, constituída por pessoas de meia ou muita idade que a sós ou em pequenos grupos bebem moderadamente e beliscam os sempre muito bons e generosos petiscos da casa. Todos se conhecem de vista, mas não se falam, é a regra não escrita seguida pelos solitários e introvertidos fregueses perdidos em seus pensamentos, enquanto da rua vem o som vibrante de uma sinfonia urbana em que o ruidoso allegro con brio composto pelo barulho do trânsito, conversas dos passantes a caminho da praia e pregões dos feirantes é a síntese de todos os demais movimentos.

 Antes do confinamento determinado pela pandemia frequentei eventualmente esse discreto refúgio sócio-etílico da terceira idade, onde me distraía observando o comportamento das pessoas e fazendo anotações mentais enquanto saboreava chope premium escoltado por um geladíssimo shot de Steinhaeger . Passado esse longo e indesejado período pandêmico-sabático, devidamente vacinado e com as cautelas de praxe, retornei ao local e a ruidosa bagunça local soou aos meus ouvidos como uma fanfarra. 

Pensei ter reencontrado as pessoas de sempre, animadas pela sinfonia monofônica habitual, mas dei por falta de dois frequentadores interessantes, um senhor baixo e um pouco obeso, de rosto muito vermelho, que se apoiava com dificuldade numa bengala, e um outro muito alto e magro, sempre de chapéu panamá, que usava anacrônicos suspensórios e caminhava penosamente e a passos curtos com o auxílio de um andador. Nos meus devaneios eu costumava referenciá-los como o Gordo e o Magro, e secretamente admirava suas lutas solitárias contra o que parecia ser uma limitação irreversível. Soube pelos garçons que tinham definitivamente fechado as contas, ao som indistinto do que agora me pareceu uma sinfonia do adeus.



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segunda-feira, 24 de maio de 2021

NASCI


Nasci no bairro carioca da Tijuca, onde também nasceram meus pai, avô, bisavô e filha - cinco gerações desde 1830, quando chegou ao Brasil o pai do meu bisavô, que era português.  Meu
 nascimento foi participado de forma bastante criativa, mediante um cartão contendo uma única palavra - Nasci - além do nome e endereço.   No decurso desta minha já longa existência sempre alimentei divertidos devaneios sobre as interpretações que esse inusitado recado na primeira pessoa, afirmativo, curto e objetivo teria suscitado aos contemporâneos, se teria sido percebido como uma inocente e inusitada comunicação, ou uma espécie de advertência velada à humanidade do tipo "nasci, vocês vão ter que me engolir"...

Há inúmeras  alternativas e interpretações para o que possa ser considerado uma vida bem vivida,  desde aquelas iluminadas pelo brilho do sucesso que se mede em dinheiro, vinho, mulheres e música às indigentes que se escoam opacas e sem perspectivas na trágica zona cinzenta onde prevalecem sangue, suor e lágrimas - e seus derivados. Entre essas situações limites caminha a maioria da humanidade, lutando para fugir da mediocridade, vencer preconceitos, superar desafios.

Fazendo um retrospecto de minha trajetória, reconheço ter vivido múltiplas vidas, sobrepostas umas, conflitantes outras, complementares algumas, traumáticas umas poucas, mas  fechado o balanço final o saldo me parece amplamente favorável. Reconheço também ter contado algumas vezes com a providencial ajuda do destino, que me apresentou às pessoas certas nos momentos incertos. Reconheço, ainda, que deveria agradecer à humanidade em geral por relevar aquela pretensa presunção inicial descabida e concordar em substituí-la pela humildade com que agradeço a 
cordial acolhida. Ao final, concluo, não cheguei a ser engolido nem repelido - fui assimilado.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

MÃES, AVÓS, BISAVÓS

 


Nem sempre lembramos, mas além de nossas mães outras figuras femininas importantes as antecederam, nos acolheram e guiaram ao longo dos tempos - as nossas avós e bisavós. Fieis ao preceito bíblico do crescei e multiplicai-vos, as minhas avós e bisavós tiveram muitos filhos mas mantiveram uma reserva de mercado de carinho e amor exclusiva para seus netos e bisnetos, como mostram as imagens, que falam melhor que as palavras:
- Maria Emília, a bisavó paterna, conhecida como Sinhá Zoca, era uma figura austera, sempre de preto e de chapéu, teve dez filhos e inúmeros descendentes, antes de chegar a minha vez. Já viúva, convivemos por sete anos, dos quais uns três mais estreitamente, o suficiente para conhecer melhor e reverenciar cada vez mais a sua memória. Viveu por oitenta e cinco anos.
- Delphina, a Vó Pequenina, mãe do meu pai e de duas tias, tinha verdadeira paixão pelos netos mas saúde frágil. Enfrentou com rara coragem diversas internações hospitalares e sofreu muito com a perda do único neto de uma das filhas por doença infantil que evoluiu mal. Foi uma lutadora, que viveu sessenta e nove anos.
- Francisca, a Vó Chiquinha, foi mãe de nove filhos, era engraçada e adorada pelos muitos netos. Durante a crise geral gerada pela Segunda Guerra Mundial acolheu em sua casa, um sobradão de vários quartos em Vila Isabel, filhos e netos que estavam com as famílias e finanças desestruturadas, antecipando o conceito atual de coletivo num alegre festival de carências. Nos deixou aos 86 anos.
- Ironette, a Dona Irô, minha linda mãe amorosa de quatro filhos, sempre alegre, prestativa e atualizada despediu-se tranquilamente aos oitenta anos, deixando saudosos família e amigos. Obrigado, meninas, por terem dado colo e carinho àquele garotinho mimado da Tijuca!


  Maria Emília Guedes Paula Freitas, Sinhá Zoca, bisavó paterna


Delphina de Abreu Paula Freitas, Pequenina, avó paterna
 
 
Francisca Jorge Rogério, Chiquinha, avó materna 

 
Ironette Rogério Luis Paulafreitas, mãe

domingo, 25 de abril de 2021

A CASA DE MINHA AVÓ E O JARDIM ZOOLÓGICO

 No momento em que a cidade do Rio de Janeiro se prepara para receber um renovado Jardim Zoológico, com anunciadas inovações para conforto dos animais e visitantes, lembro da casa da minha avó materna em Vila Isabel, um sobradão com vários quartos colado ao antigo e então abandonado Jardim Zoológico, que se tornou uma extensão natural do quintal pois bastava pular o muro para desfrutar daquele paraíso secreto, com suas árvores frutíferas, lagos, fontes, pequenos animais e pássaros, muitos pássaros. Durante parte da Segunda Guerra Mundial nela nos apertamos com tios e primos temporariamente sem teto e sem fundos, numa fraterna e precária socialização de necessidades, antecipando o conceito atual de coletivo. A instituição criada pelo Barão de Drummond, raiz do jogo do bicho carioca, é pedra basilar na construção das minhas memórias afetivas infantis.

No térreo do sobrado havia uma pequena loja, ocupada por um sapateiro italiano, sujeito muito magro e alto, dono de um respeitável nariz e com insuspeitado registro vocal de tenor, que aos sábados reunia conterrâneos, abria uma garrafa de vinho, tocava bandolim e cantava lindas árias de óperas e do cancioneiro popular peninsular. Era mágico e triste ver seus dedos retorcidos e manchados de tinta manusearem a palheta com delicadeza e sensibilidade, extraindo do instrumento sons que dançavam pela pequena loja como os de um órgão numa catedral, e angustiante a nostalgia que permeava os cânticos. Minha infância foi marcada por passagens inesquecíveis, e esta foi uma delas.
O tempo passou e a área sofreu intervenções diversas, até se transformar no atual Parque Recanto dos Trovadores. Se a sua conservação não é a ideal, pelo menos ainda permite o desfrute de parte de suas funcionalidades e a renovação de lembranças infantis, entre elas a da saga de um modesto trovador italiano que premonitoriamente antecipou o futuro do recanto.
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Aproveite o link e conheça as histórias e a História de como um jardim de bichos se transformou num Recanto dos Trovadores.





segunda-feira, 12 de abril de 2021

O CASTELINHO DO LEME (2)

O movimento de vacinação levou os holofotes da zona sul a se voltarem para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no Leme, mas provavelmente poucos dos que a visitaram, muitos pela primeira vez, atentaram para a interessante construção ao lado conhecida como Castelinho do Leme. Sede administrativa de um estacionamento construído nos fundos do terreno, o imóvel tem o mesmo padrão arquitetônico do templo e ostenta uma torre que justifica o apelido, foi edificado por Margareth Coney Ligonto, a Miss Coney, adorada professora inglesa que em 1919 fundou o Colégio Anglo-Americano, e teria sido por ela doado à congregação cristã vizinha com cláusula impeditiva de sua descaracterização.

Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, eu tinha nove anos de idade e pretendia prestar concurso para o Colégio Militar, mas meu pai, que era professor no Anglo, foi convocado para o serviço ativo no Exército em outra cidade, inviabilizando meus planos. Sabedora de minha frustração, Miss Coney generosamente me acolheu em sua casa, onde morei por mais de um ano, e financiou meus estudos preparatórios e parte do período inicial no Colégio Militar, onde consegui ingressar. Foi uma fase que marcou positivamente minha vida para sempre.

Visitei o local recentemente, já parcialmente transformado em estacionamento pelo retrofit, consciente de ser o único sobrevivente daquele período; encontrei o casarão bem conservado, vazio de móveis e pessoas mas pleno de inesquecíveis lembranças e memórias amigas. Dias antes tivera a confirmação que Miss Coney era uma pessoa especial: encontrei na web uma entrevista do ex-chanceler Azeredo da Silveira em que conta ter sido aluno do Anglo quando seu pai foi preso por razões políticas e precisou abandonar os estudos por falta de dinheiro para pagar as mensalidades. Sabedora do problema, Miss Coney assegurou-lhe total gratuidade enquanto perduraram as dificuldades, criando condições para sua vitoriosa carreira diplomática. Miss Coney não teve filhos biológicos, mas foi como uma mãe reconhecidamente presente na formação dos seus milhares de alunos.


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sexta-feira, 2 de abril de 2021

O JARDIM SECRETO

Na história clássica que gerou um filme, uma órfã de 10 anos vai viver com um tio viúvo em um castelo na Inglaterra. Lá encontra um pequeno lorde, seu primo recluso, doente e isolado em um dos quartos, conhece outro rapaz, filho de uma aldeã, e os três descobrem um incrível jardim abandonado, que decidem revitalizar. A amizade entre as crianças e a interação delas com a natureza operam uma surpreendente transformação no jardim e em todos da casa. O livro é lindo e o filme sublima sua mensagem, a de que um jardim, mesmo abandonado, tem o dom mágico de distribuir amor e alegria. 
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Depois de alguns anos na árida Brasília, me instalei na frenética Copacabana de muito mar e areia e poucas plantas, o avesso de um passado que até então incluiu casas com jardim e quintal em bairros mais comportados. A muralha de concreto dos prédios colados da Avenida Atlântica, seccionada apenas pela Praça do Lido, separa o azul do mar do verde da pouca mata ainda restante nos fundos, mas não os interliga. O urbanista até foi sensível e salpicou algumas árvores aqui e ali no calçadão, tentando amenizar o deserto vertical, 
mas foi só. Com o advento da pandemia, ficou progressivamente mais angustiante para os confinados a carência do verde alternativo das plantas e das cores variadas das flores, e cansativo o neutro das areias, lindo de longe quando tingido pelo azul do mar, mas escaldante e extenuante de perto. O jardim de nossa história é uma metáfora sobre limites e superação, sobre carências e reclusão, e impacta de forma decisiva o destino dos personagens. Assim como o meu jardim secreto.

 

O Edifício Luiz de Camões, na Avenida Atlântica (no centro da foto) onde moro é tecnicamente uma torre, ao contrário dos demais da orla, pois ocupa todo o terreno na esquina de três ruas, tem as quatro fachadas livres, todos os seus apartamentos são de frente e é separado dos prédios ao lado por um jardim de grandes vasos, com muitos arbustos e flores, espaço esse  que é secreto, por não ser visível das ruas; suspenso, por estar alguns degraus acima do nível da calçada; e panorâmico por ter vista aberta para o calçadão e a praia.  

 

Assim como na historinha da órfã, o meu jardim secreto distendeu a tensão da reclusão forçada, permitiu contatos sociais seguros, ampliou os horizontes para além das paredes do apartamento e, melhor que tudo, estimulou meu viés de memorialista eventual. Sentado numa cadeira de praia num cantinho, viajei na cápsula embolorada do tempo, ruminei episódios felizes e outros nem tanto mas, sobretudo, como se diz por aí, fiz do limão uma limonada... 




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terça-feira, 16 de março de 2021

MÁSCARA NEGRA


- "Tanto riso, oh quanta alegria,
Mais de mil palhaços no salão"...
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Em tempos de máscaras que lembram sofrimento, vale a pena recordar a Máscara Negra que despertava alegria nos frequentadores da icônica cervejaria Canecão, quando sua animada bandinha celebrava o riso e a alegria dos mais de mil palhaços no salão. Fechado há pouco mais de 10 anos e abandonado desde então, levou com ele o famoso mural de Ziraldo que emulava a "última ceia" e insuspeitadamente se tornou um registro do "último chope", degustado por Geremias, o Bom e seus sedentos seguidores.
-"Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade"
(Zé Ketti, 1966)

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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

MUSEU DE CIÊNCIAS DA TERRA

 


 
Foto: Carlos Luis M.C. da Silva 

O Museu de Ciências da Terra foi  foi inaugurado em 1909 e é considerado um dos mais ricos da América Latina por suas coleções de minerais, meteoritos, rochas, fósseis e documentos únicos relacionados à memória geológica. São mais de 10 mil amostras de minerais (brasileiros e estrangeiros) e de meteoritos, além de 12 mil rochas e 35 mil fósseis catalogados. Sua biblioteca dispõe de aproximadamente 100 mil volumes de publicações relacionadas à área de geociências. Conta, ainda, com uma rica biblioteca infantil para o desenvolvimento de oficinas e atividades educativas e culturais. Está instalado na Avenida Pasteur, Urca, em um imponente prédio tombado de estilo neoclássico tardio conhecido como Palácio da Geologia. que foi projetado e teve sua construção iniciada pelo engenheiro, professor e empresário Antônio de Paula Freitas por encomenda do imperador Dom Pedro II,  para abrigar a Faculdade Nacional de Medicina, e atualmente está em obras após um incêndio que atingiu uma de suas alas,  Em 1908, porém o palácio foi escolhido para ser o pavilhão do Brasil na Exposição Nacional comemorativa do Centenário da Abertura dos Portos e no ano seguinte passou para o patrimônio do Ministério da Agricultura, sediando definitivamente o Museu.
Se, durante algum tempo, a grandiosidade e imponência do edifício do intimidou visitantes, aos poucos, o Museu foi se afirmando como espaço público de inclusão social por meio da divulgação científica e das transformações implementadas para engajar os visitantes, com destaque para as atrações do acervo e as atividades educativas ali desenvolvidas, o que inclui exposições itinerantes e a grande interação com escolas públicas e outras entidades educacionais.

 Antônio de Paula Freitas, o criador do prédio, nasceu em 1843, filho de pai português e mãe brasileira, era o mais velho de oito irmãos e perdeu o pai aos 12 anos de idade. Apesar disso, graduou-se
engenheiro Geógrafo e Civil e 
doutor em Ciências Físicas e Matemáticas pela antiga Escola Politécnica, onde foi também professor catedrático. Destacou-se em atividades profissionais e acadêmicas no reinado de D. Pedro II, tendo sido agraciado com as três comendas da Ordem da Rosa. Recebeu a prestigiada Medalha Hawshaw, honraria de origem inglesa atribuída a quem se destacasse por trabalhos acadêmicos na área da Engenharia. Foi presidente do Instituto Politécnico Brasileiro, membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia, do Instituto dos Engenheiros Civis de Londres, da Sociedade Francesa de Higiene, da Diretoria do Congresso Científico Latino-Americano, da Administração do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, redator da Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e Engenheiro da Irmandade da Igreja da Candelária, tendo sido responsável pelas obras de revitalização e expansão do templo e pela instalação dos seus monumentais portões de bronze. Como empresário presidiu a empresa que adquiriu as terras e promoveu a urbanização, saneamento e desenvolvimento do bairro de Copacabana. Projetou e construiu o Edifício Sede dos Correios, na rua Primeiro de Março, e o prédio da Tipografia Nacional, na Avenida Treze de Maio, demolido em 1940 para revitalização do Largo da Carioca. 

 
Antônio de Paula Freitas


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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

DE GALETOS, SIRIS & SUBMARINOS

 

 

Passou em brancas nuvens o cinquentenário da abertura do Bar Bem, em São Conrado, e com isso deixamos de rememorar a influência do seu legado gastroerótico direto e indireto nos usos e costumes da juventude carioca naqueles anos, vá lá! prateados. A Barra da Tijuca de então era, além de  apêndice toponímico do bairro da Tijuca, um vasto areal abandonado e sem recursos, sem transporte público, pouco frequentado de dia e e escuro e deserto à noite, e embora houvesse segurança pessoal, quem por lá se aventurasse estaria largado à própria criatividade em termos de apoio alimentar. Os moradores da Zona Norte chegavam de carro via Alto da Boa Vista, ao final de numa longa jornada e os mais prevenidos se viam limitados ao frango com farofa caseiro e cerveja quente. Com o advento do Bem tudo mudou quando o bar lançou um prato de extraordinário sucesso, o galeto ao primo canto, uma jovem penosa assada na brasa e assessorada por bebidas realmente geladas, e a novidade estimulou as incursões noturnas à praia mais adiante. São Conrado deixou de ser bairro de  destino para ser de passagem. Surgiram então na areia da Barra as precárias barracas que vendiam siris (e milho) cozidos e ganhou notoriedade uma nova modalidade esportiva, as concorridas corridas noturnas de submarinos.
A escuridão total era eventualmente devassada apenas pelos faróis dos carros, acesos com parcimônia para não atolar na areia nem expor as manobras navais; os desventurados siris eram lançados vivos num enorme panelão com água fervente e lutavam brava e improficuamente pela sobrevivência tentando abrir a tampa. Era constrangedor e politicamente incorreto, confesso, mas saboroso. 
Com o tempo, a invasão dos condomínios de alto luxo e das comunidades populares mudou o cenário e o Bem (o bar...) acabou, assim como os galetos e os siris - estes talvez por ação dos protetores de animais. E os submarinos submergiram de vez, ante a insegurança geral e à evolução dos usos e costumes... 


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sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

REVEILLON DA PANDEMIA

 Em dezembro de 1980 nos casamos e alugamos um pequeno apartamento na Avenida Atlântica, no Leme. As nossas janelas, no quinto andar, emolduravam um trecho da praia e a Pedra do Leme, então já adornada com o perigoso Caminho dos Pescadores. Duas ruas mais atrás, do altar-mor de sua igreja conventual enriquecida por lindos vitrais figurativos, a Virgem do Rosário velava pelos moradores do bairro. Em março de 2000 compramos um apartamento maior, na mesma avenida, a poucos metros da igreja sede da paróquia de Nossa Senhora de Copacabana e Santa Rosa de Lima. De comum aos dois imóveis, o fato de estarem no raio de ação da proteção oferecida pelos respectivos santos e orixás. Foram quarenta anos de praia, literalmente, desde a virada do ano em que pisamos pela primeira vez na areia então escassamente povoada do Leme, visitamos os terreiros improvisados e ao som ritmado dos atabaques e dos cânticos da umbanda recebemos no rosto e nas narinas a fumaça e o odor dos charutos fedorentos com que nos purificavam as mães e pais de santo. Com tempo constatamos a total ocupação dos mesmos espaços pela multidão crescente e extasiada que reverencia a música popular e o estrondoso brilho dos fogos de artifício e por um tempo nos deslumbramos com a flamejante cascata prateada que descia pela lateral do hotel famoso, cuja fonte secou. E então veio a pandemia, e com ela um quase retorno às origens. A praia aqui em frente foi tomada pela escuridão, com poucas pessoas circulando, nada de sons e muito menos de fogos ou odores especiais. Dos rituais de outrora sobraram as vestes brancas e umas poucas oferendas. É estranho, como tudo o mais nesse ano estranho, estarmos a sós e vermos nossa calçada deserta, pela primeira vez em todo esse tempo. Os vizinhos sumiram, as visitas evaporaram, e a família se fragmentou em assépticas chamadas de vídeo, filhos, netos e bisnetos em seus quadrados distantes; na verdade, um cenário cujo impacto decorreu da longa quarentena. Finalmente, nos damos conta que este e os derradeiros anos vindouros poderão ser os melhores do fim das nossas vidas, se devidamente administrados. Em seus votos festivos as pessoas se desejam muita luz, e ela nunca foi tão necessária como agora, quando parecemos vagar num túnel às escuras. Agradecemos aos santos e divindades da nossa jurisdição que têm se esforçado para iluminar nosso já longo caminho, cientes de que só temos essa vida para viver, o que pretendemos continuar a fazer da melhor forma possível.

(Foto Marcio Negrão)

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