segunda-feira, 7 de junho de 2021

SINFONIA DO ADEUS

 O cenário é caótico e característico de algumas ruas internas de Copacabana, onde um clássico boteco dito pé-sujo, de esquina e com diminuta área interna, disputa a já estreita calçada com uma grande banca de jornais, dessas que vendem de tudo, até mesmo jornais. No puxadinho externo espremem-se mesinhas e barris de chope servindo de mesinhas, outra tradição do ramo, enquanto na esquina em frente uma formigante e ruidosa feira livre é liderada por concorrida barraca de venda de caldo de cana e pasteis gordurosos, imodestamente denominada "O Gostosão".

A clientela dominical também é tradicional e fiel, constituída por pessoas de meia ou muita idade que a sós ou em pequenos grupos bebem moderadamente e beliscam os sempre muito bons e generosos petiscos da casa. Todos se conhecem de vista, mas não se falam, é a regra não escrita seguida pelos solitários e introvertidos fregueses perdidos em seus pensamentos, enquanto da rua vem o som vibrante de uma sinfonia urbana em que o ruidoso allegro con brio composto pelo barulho do trânsito, conversas dos passantes a caminho da praia e pregões dos feirantes é a síntese de todos os demais movimentos.

 Antes do confinamento determinado pela pandemia frequentei eventualmente esse discreto refúgio sócio-etílico da terceira idade, onde me distraía observando o comportamento das pessoas e fazendo anotações mentais enquanto saboreava chope premium escoltado por um geladíssimo shot de Steinhaeger . Passado esse longo e indesejado período pandêmico-sabático, devidamente vacinado e com as cautelas de praxe, retornei ao local e a ruidosa bagunça local soou aos meus ouvidos como uma fanfarra. 

Pensei ter reencontrado as pessoas de sempre, animadas pela sinfonia monofônica habitual, mas dei por falta de dois frequentadores interessantes, um senhor baixo e um pouco obeso, de rosto muito vermelho, que se apoiava com dificuldade numa bengala, e um outro muito alto e magro, sempre de chapéu panamá, que usava anacrônicos suspensórios e caminhava penosamente e a passos curtos com o auxílio de um andador. Nos meus devaneios eu costumava referenciá-los como o Gordo e o Magro, e secretamente admirava suas lutas solitárias contra o que parecia ser uma limitação irreversível. Soube pelos garçons que tinham definitivamente fechado as contas, ao som indistinto do que agora me pareceu uma sinfonia do adeus.



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